O governo brasileiro lançou a nova versão do PLANAVEG – Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa, que define diretrizes para acelerar e dar escala a restauração no Brasil. Inicialmente lançado em 2017, o plano passou por uma revisão que abrange o período de 2025 a 2028, e é um importante instrumento para reduzir emissões, proteger a biodiversidade e promover uma nova economia no país.
A Araticum é parte fundamental da construção deste ambicioso plano, como parte do Conselho Consultivo e das câmaras científicas temáticas que forjaram programas e diretrizes específicos para a realidade da restauração no Cerrado. Esta foi uma estratégia muito importante desta nova versão do Planaveg: o reconhecimento dos movimentos de restauração por bioma nesse processo. Além da Araticum, a Aliança pela Restauração da Amazônia, oPacto pela Restauração da Mata Atlântica, o Pacto pela Restauração do Pantanal, a Recaa – Rede para Restauração da Caatinga e a RedeSul de Restauração Ecológica participaram do desenvolvimento do Planaveg e têm um papel importante na execução do plano, inclusive com cadeira permanente no Conaveg, algo ausente na versão anterior.
O “PLANAVEG 2.0” mantém a meta de restaurar 12 milhões de hectares até 2030 e, para implementar a restauração de forma eficaz, é essencial não apenas organizar as ações, mas também planejar cuidadosamente, direcionando-as a áreas prioritárias, incentivando as iniciativas já em curso e maximizando os benefícios para a sociedade. Como novidade, o plano traz quatro estratégias transversais combinadas com arranjos de implementação que se referem a: fortalecimento da cadeia da restauração; financiamento para recuperação da vegetação nativa; monitoramento e inteligência espacial; e pesquisa, desenvolvimento e inovação.
Thiago Belote, especialista em restauração e coordenador da Araticum que nos representa no Conselho Consultivo, resumiu bem em sua fala durante o evento de lançamento do Planaveg realizado na Floresta Nacional de Brasília em 10 de dezembro: “É um orgulho fazer parte deste momento, representando a visão da Araticum neste processo, na construção do Planaveg, junto a outros movimentos como o Pacto pela Resta da Mata Atlântica e organizações como a Tikré, que faz a restauração da FLONA. É também muito simbólico lançar o Planaveg no Cerrado pois o novo plano trouxe algo muito importante: visibilidade para as fitofisionomias não florestais. A Araticum participou muito fortemente da construção do Planaveg, conectado à própria meta da Araticum de fomentar 2 milhões de novas áreas em restauração no Cerrado até 2030, a partir da restauração inclusiva, entendendo que as comunidades fazem parte da restauração, mas mais além, fazendo parte também dos processos de tomada de decisão. Os espaços de núcleos de decisão são por direito destas comunidades, não apenas como coletores, restauradores. Estamos compromissados em fazer isso sair do papel, e a restauração de hoje na FLONA é um símbolo deste compromisso”.
A voz das comunidades tradicionais do Cerrado também se fez presente no evento, com Claudomiro Cortes, nascido e criado na Chapada dos Veadeiros, um dos fundadores da Associação Cerrado de Pé: “Quando eu vi a meta de 12 milhões de hectares, comparei à meta da Cerrado de Pé, que é coletar e plantar sementes no número das estrelas do céu. Sou filho de garimpeiro, de agricultor familiar, e fui brigadista do Parque Nacional. Até eu começar a trabalhar no PN, em 2007, eu tinha a mentalidade de agricultor. Percebi então que o fogo matava as nascentes, as veredas. Em 2009, um incêndio consumiu quase 80% do parque, subindo o morro da Baleia por mais de 1 mês em uma área de pastagens degradadas. Ali surgiu a ideia de começar a restaurar estas pastagens degradadas com espécies nativas substituindo as invasoras. Sem saber como fazer essa restauração, os brigadistas removeram as braquiárias, fazendo o 1º experimento. Em 2010, crescemos a área. Com mais áreas, precisamos de mais sementes, e foi assim que aumentamos o coletivo, incluindo cada vez mais comunidades. Hoje, este trabalho da associação é fruto de um trabalho de iniciativa do PN, e foi assim que conseguimos criar a Associação Cerrado de Pé, com 240 famílias, com mais de 800 mil reais repassados a elas em 2023, e contribuindo inclusive para o fornecimento de sementes para as áreas do desastre de Mariana. A presidenta é uma assentada, o vice é do território Kalunga. Se pensamos em restauração sem envolver as comunidades, fica mais difícil.”
Alexandre Sampaio, analista ambiental do ICMBio e coordenador da Araticum, corrobora as palavras de Claudomiro: “Áreas como a FLONA são muito utilizadas pela população de Brasília, e dão o exemplo de restauração para seu entorno. A partir do momento que trabalhamos a restauração nas UCs, mostramos para as pessoas que estamos preservando fauna, flora, água, que são muito caros às pessoas que visitam estas UCs, e esses impactos acabam sendo transferidos para outras áreas. É um poder imenso de reverberar a política pública da conservação. Onde conseguimos fazer o processo de restauração de forma participativa, com as comunidades sendo atores do processo, como na Chapada, esse processo reverberou para fora da UC. Os 300ha restaurados dentro da UC da Chapada dos Veadeiros são acompanhados por mais de 600 ha sendo restaurados fora da UC, além de 1.000 ha sendo utilizados para coleta de sementes, trazendo pertencimento às pessoas que atuam nestas atividades. Sem este pertencimento, não conseguiremos dar escala à restauração.”
O que o Planaveg traz de novo
Na percepção de Cézar Borges, Analista de Conservação Sênior do WWF-Brasil e líder do GT de Inteligência Territorial da Araticum, os pontos de destaque nesta edição do Planaveg, em comparação à edição lançada em 2017, foram ele ter considerado os movimentos biomáticos não somente na consulta mas sobretudo na construção e na percepção da viabilidade de implementação do Planaveg em seus territórios, é uma atualização que vai fazer toda a diferença na agenda da restauração, dando o protagonismo e visibilidade para essas alianças, e ter trazido de fato no documento final, tanto em nomenclatura como em estratégia, a questão da restauração produtiva, dando luz a iniciativas que, mesmo que não necessariamente sendo de restauração ecológica, também contribuem para proporcionar benefícios socioambientais, sobretudo na ótica da promoção dos serviços ecossistêmicos.
Em relação à Câmara Consultiva Técnica (CCT) de Monitoramento e Inteligência Territorial, na qual Cezar representou a Araticum, os pontos de destaques foram:
- A definição de uma estratégia clara de monitoramento e inteligência, no qual os movimentos biomáticos mais uma vez assumiram grande relevância ao apresentar suas experiências em como vêm fazendo a compilação e reporte de áreas sob restauração. Este protagonismo dos movimentos no âmbito do monitoramento se dá em boa parte devido à articulação do Observatório da Restauração e do Reflorestamento (ORR), um grande guarda-chuva no qual todas as alianças biomáticas estão inseridas, com destaque para os casos da Araticum e do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, ambos com plataformas próprias de mapeamento da restauração em seus biomas.
- O destaque dado à vegetação secundária. Nesta edição do Planaveg, está definido que florestas secundárias com algum grau de qualificação serão monitoradas pelo INPE e contabilizadas no cômputo da meta nacional, e estes dados serão fundamentais para atingir as ambiciosas proporções do compromisso nacional.
Acesse o documento completo do Planaveg na Biblioteca Araticum: https://araticum.org.br/biblioteca/
A partir de agora, vamos planejar nossos próximos passos na articulação junto aos órgãos federais e aos atores da restauração do Cerrado para apoiar a implementação do Planaveg.