Guia do financiador

Recomendações ao financiador da restauração ecológica do Cerrado

Este guia foi elaborado pela ARATICUM – Articulação pela Restauração do Cerrado – com o objetivo de auxiliar o financiador da restauração ecológica do Cerrado a tomar decisões assertivas para que a restauração alcance resultados ecológicos, sociais e econômicos efetivos.

O Cerrado tem a savana mais rica da Terra, com 12,5 mil espécies de plantas nativas, equivalente à riqueza encontrada na Amazônia brasileira, com sete espécies de arbustos e ervas para cada espécie de árvore. Formações savânicas e campestres representam 74% da vegetação original do bioma. O Cerrado é o berço das águas do país, abrigando as nascentes de oito das 12 bacias hidrográficas brasileiras, e vegetações campestres e savânicas são sua caixa d’água. E por fim, mas não menos importante, o Cerrado é lar de culturas tradicionais e de agricultura em todo o seu espectro.

Restaurar o Cerrado, suas diferentes fisionomias e suas espécies nativas, contribui para a disponibilidade e qualidade da água, biodiversidade e estoque de carbono. A restauração é um vetor de desenvolvimento sustentável, gerando trabalho, renda e dignidade a milhares de pessoas.

Ela fortalece as cadeias da sociobiodiversidade, com plantios consorciados de espécies nativas (como baru, pequi, mangaba e macaúba, entre outros), e é necessária para a regularização ambiental de propriedades rurais.

A Araticum atua para aumentar a visibilidade do Cerrado, difundindo conhecimento sobre as melhores estratégias, métodos e técnicas de manejo para diferentes contextos, além de subsidiar políticas públicas de restauração e conservação adequadas ao Cerrado e fortalecer e conectar organizações da cadeia de restauração regional. Promovemos a restauração inclusiva do Cerrado.

O Cerrado, com seu clima, seus tipos de vegetação e sua sociedade diversos e peculiares, demanda estratégias de restauração apropriadas. Disponibilizamos a seguir recomendações, baseadas em experiências científicas e práticas dos membros da Araticum, a serem consideradas pelos financiadores da restauração.

Adaptação e flexibilidade em projetos de restauração

O projeto de restauração deve incluir a capacidade de adaptação e flexibilidade diante dos resultados verificados pelo monitoramento ecológico e social.

A restauração é um caso típico de manejo adaptativo, exigindo que as práticas de restauração sejam ajustáveis. Uma abordagem flexível e receptiva não apenas facilita a adaptação a condições inesperadas, como amplia a eficácia e a sustentabilidade dos esforços de restauração.

Escalonar o financiamento é uma alternativa para atender ao manejo adaptativo.

A restauração precisa de condições habilitantes

Até que uma área esteja disponível para restauração e haja disponibilidade de insumos e serviços, é preciso olhar para as condições habilitantes. O financiamento é necessário para engajar proprietários e posseiros na disponibilização e compromisso de restaurar áreas, diagnosticar o potencial de regeneração natural e o contexto de recursos e interesses para a escolha acertada do método, e treinar e desenvolver capacidades nos fornecedores de sementes e mudas e dos executores da restauração.

Também é importante olhar para a governança na paisagem, engajando as diversas partes interessadas para que a restauração se potencialize. O financiamento das condições habilitantes pode ser feito de maneira escalonada, e financiadores podem atuar em consórcio com co-financiamento.

Projetos que contribuam com inclusão socioprodutiva são melhores

A aquisição de sementes e mudas, o plantio e a manutenção, o planejamento da restauração e escolha de espécies podem ser feitas em conjunto com as comunidades e proprietários, gerando engajamento, trabalho, renda e reduzindo custos. Toda restauração pode ser mais inclusiva ou de base comunitária e esse fator deve ser incentivado e fortalecido. É importante que o impacto social do projeto seja considerado desde seu início, na submissão da proposta, para que assim possa estar incorporado desde seu planejamento. Há diferentes formas de engajar comunidades e proprietários em projetos de restauração. Elas demandam investimento em engajamento e capacitação, mas, por outro lado, resultam em maior sucesso de restauração, são mais eficientes e resilientes, além de promoverem educação no campo e inclusão socioprodutiva.

A restauração da paisagem e de bacias deve ser o escopo

A restauração terá melhores resultados se abranger as possibilidades de restauração da paisagem e da bacia hidrográfica. Isso significa olhar todas as oportunidades de restaurar funcionalidade em todos os componentes da paisagem, o que inclui APP (áreas de preservação permanente), RL (reservas legais) e áreas produtivas.

Sistemas agroflorestais, silvipastoris e agrocerratenses, e práticas de conservação do solo, adequados aos ecossistemas do Cerrado, que incluam espécies nativas, devem ser apoiados em áreas de produção. Para as áreas de restauração de vegetação nativa (APP e RL), é necessário observar o gradiente de possibilidades, desde a regeneração natural até o plantio em área total.

As metas de restauração podem ser socioeconômicas

É necessário estabelecer metas e indicadores que contemplem o alcance das condições habilitantes e os resultados socioeconômicos dos projetos.

Proprietários e posseiros engajados, comunidades autônomas na produção de sementes, a geração de trabalho e renda, a capacitação de jovens e mulheres em ferramentas de gestão e tomada de decisão, e a restauração de valores culturais são exemplos de indicadores de sucesso da restauração.

O recurso deve chegar pelo menos um ano antes do plantio

A restauração se inicia com o planejamento, seguido pelo preparo da área e coleta de sementes (ou preparo das mudas), etapas que devem anteceder plantio em no mínimo um ano.

A coleta das sementes demanda essa antecedência pois não há grande quantidade de sementes em estoque e muitas espécies não podem ser armazenadas de um ano para o outro.

E resumir o preparo da área apenas ao momento do plantio reduz o sucesso de estabelecimento das plantas nativas, pois, dependendo do estado de degradação e infestação de espécies invasoras, o solo deve ser preparado por 2 anos consecutivos até o plantio.

O recurso deve contemplar manutenção de até cinco anos

A restauração não termina no plantio.

A vegetação campestre e savânica não fecha o dossel e não sombreia o capim exótico invasor de modo a eliminá-lo (como em florestas).

Assim, além do preparo do solo, será provavelmente necessário controlar as espécies exóticas por até cinco anos.

Depois desse tempo, ainda se faz necessário monitorar a evolução da vegetação.

O cronograma de desembolsos deve respeitar a
sazonalidade do preparo do solo, plantio e
manutenção

  • Só é recomendado plantar sementes e mudas na primeira metade da estação chuvosa (geralmente de outubro a dezembro);
  • A manutenção das áreas também deve ser feita durante a estação chuvosa;
  • A coleta de sementes deve ser feita ao longo de um ano inteiro;
  • O preparo do solo deve ser feito pelo menos a partir da estação seca que antecede o plantio.

Há incertezas climáticas e ambientais

A restauração está sujeita a flutuações climáticas anuais, como atraso nas chuvas, veranicos extensos e chuvas torrenciais, além dos incêndios.

Os plantios respondem a estas condições. Por isso, o fator de risco climático deve ser considerado pelo financiador, e recursos de contingência, bem como medidas de adaptação e combate, devem ser considerados.

Restauração ecológica se faz com espécies do ecossistema original – savanas, campos ou florestas

O Cerrado tem 70% da sua vegetação nativa composta por savanas e campos.

Ao restaurar vegetações savânicas e campestres, deve-se considerar o plantio de capins, arbustos e árvores nativas.

Assim, garantimos mais habitat para espécies nativas e a melhora dos serviços ecossistêmicos de regulação hídrica e biodiversidade, além de maior resiliência a fatores de degradação.

A meta não pode ser número de árvores, mas área restaurada

A restauração visa regenerar ecossistemas, e não árvores – elas são apenas um componente da vegetação, especialmente em fisionomias savânicas e campestres. Em uma restauração bem sucedida, árvores plantadas são substituídas por outras, e os diferentes métodos de restauração têm diferentes densidades. Ou seja, árvores plantadas, ou mesmo estabelecidas, não garantem uma boa restauração, especialmente quando falamos em serviços ecossistêmicos no Cerrado.

O sucesso da restauração é caracterizado pelo atingimento de outras metas e indicadores importantes como:

  • hectares restaurados;
  • diversidade de espécies;
  • qualidade do solo;
  • infiltração de água;
  • engajamento comunitário, número de capacitações e treinamentos desenvolvidos;
    serviços ecossistêmicos (carbono);
  • resiliência de ecossistemas (resistência a invasoras).

A oferta de recurso por hectare deve ser compatível com custo real da restauração

Seguindo as boas práticas de restauração, não pode haver descompasso entre o valor ofertado e o valor necessário para a restauração, o que sufoca os implementadores, impactando diretamente toda a cadeia produtiva da restauração.

Uma alternativa é o co-financiamento de projetos.

Documento elaborado em Plenária por 40 membros da ARATICUM. Veja a lista de autores em: https://bit.ly/guiafinanciadorcerrado.
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